Olá a todos! Sei que tenho andado arredado destas lides. A disponibilidade tem sido pouca. Para marcar o fim do primeiro semestre do mestrado decidi partilhar um dos trabalhos que fiz para a cadeira de escrita criativa. É um conto da minha autoria.
Beijos e Abraços!
A Vida por um segundo
Nunca dormia profundamente. Todos os dias levantava-se a mesma hora. Bernardo olhava-se ao espelho com um olhar sempre crítico sobre si mesmo. Fazia a sua higiene pessoal como se de um acto mecanizado assim se tratasse, sem falhas, cumprindo um determinado horário para cada tarefa. Dirigia-se á paragem de autocarro em passos bem definidos e cronometrados, com uma maçã na boca. Era mais um dia da rotineira vida de Bernardo que trabalhava numa fábrica de fabrico de roscas.
Bernardo era mais um operário. No mesmo ramo de actividade, já há dez anos, era considerando um empregado exemplar, contudo um homem de poucas falas. Os colegas de trabalho, criticamente, entre si, tratavam-no como o “infeliz”. Sem amor, sem amigos. A única coisa que importava para si, era cumprir as tarefas diárias de forma rigorosa. Nunca faltou ao emprego. Folgas, nunca as desejou. Como é evidente, Bernardo não tinha com quem partilhar esse tempo de descanso.
Mais um dia de trabalho. O despertador tocou a hora de sempre. Bernardo saiu de casa, com uma face de profunda estranheza. Um olhar de quem vai agarrar o mundo. Momentos difíceis estariam para vir.
Chegou á paragem de autocarro, observou a sua volta, as pessoas de sempre. Nunca tinha falado com elas, mas conheci-as tão bem. Todos os dias as encontrava lá, na mesma paragem, á espera do mesmo autocarro que ele viajava para conseguir o seu ganha-pão. Evidenciava, diariamente, a senhora de xaile preto que ia levar a menina à escola e se sentava sempre no banco da paragem, a criticar as brincadeiras que a neta tinha para embalar o tempo de espera. O velho que lia o jornal com uma atenção prodigiosa. O grupo de estudantes universitários, sonolentos, que se levantaram com dificuldade, depois de uma noite de boémia. Nada diferente. Até agora!
Lá ao fundo, Bernardo vê o autocarro que o leva ao seu destino habitual. Entra no autocarro, mostra o seu passe social. Dá o seu lugar sentado. Em pé, aprofunda, a visão ao encostar a cabeça na janela. Olha atenciosamente, lá para fora. Um ambiente estranho se adensa dentro do autocarro. Bernardo estranha o comportamento de um trintão sentado no último banco do autocarro. Figura franzina, olhos penetrantes, barba rude e cabelo crispado. Vestia roupa escura e observa, aprofundando, tudo á sua volta.
Este homem tem poucos meses de vida. Padece de uma doença pulmonar incurável. Amargurado, levanta-se e começa em tumultuosos gritos:
- “Ninguém se mexe. Tenho em minha posse uma arma, pretendo suicidar-me. Não quero a vossa compaixão. Quero que sintam o meu desespero. A angústia de ter a vida limitada a um curto espaço de tempo e nada poder fazer para modificar isso. É a evidência da minha triste existência”
Bernardo ouviu com atenção os murmúrios deste pobre homem e uma mancha de pensamento o abalou na sua consciência. Reviu toda a sua fraca vida e percebeu que todos os actos rotineiros que tinha no seu dia-a-dia, eram, sobretudo, egoístas. Só a ele o dominavam, a mais ninguém reagiam. Por isso, decidiu tomar a iniciativa de conversar com este homem desesperado. “O infeliz”, como o tratavam as escondidas os colegas de trabalho, olhou para a menina traquina, que chorava compassadamente no colo da sua avó. Esta cobria-a com o xaile preto. Bernardo, ganhou coragem, e então, dirigiu-se junto do homem, com as mãos no alto da cabeça, pedindo para conversarem calmamente. O homem de aspecto franzino, que pretendia suicidar-se aos olhos de toda aquela gente, enquanto o motorista seguia o percurso sem fazer as devidas paragens, resolveu atender ao pedido de Bernardo.
Bernardo emocionado, fez várias perguntas ao homem, que respondeu, afirmativamente, a todas:
– “Tem família? Tem amigos? Tem filhos? Sente-se amado? Então, nunca desista. Eu não tenho nada do que lhe perguntei e luto incessantemente. A vida é para se viver enquanto nos permitirmos para tal. Largue a arma. A sua história, fez-me tomar consciência da vida comodista que levo. Deixe-me ser útil, pelo menos uma vez na vida e largue essa arma. Suplico-lhe. Mude o rumo da história.” Enquanto, Bernardo mergulhado em lágrimas, se debatia, este homem olhava com copiosa veemência. Deixou cair a arma. Colou a sua boca, junto ao ouvido de Bernardo e sussurrando disse:
- “Agradeço-lhe por me abrir os olhos. É, agora a minha vez! Pode não ter família, amigos e amor mas tem uma longa vida para construir tudo isso. Vá a luta. Eu vou aproveitar os últimos dias de vida que me restam, junto do que já construí.”
O motorista parou o autocarro, o homem saiu, com um ar envergonhado até desaparecer na multidão que se encontrava na rua. Houve um forte bater de palmas, e um beijo comovido da menina traquina a Bernardo. Todos lhe devem gratidão pela ternura que desafiou ao seu carácter. Bernardo sentiu-se amado uma vez em poucas. Mesmo que esse amor não dure, a vida valeu por um segundo.
Beijos e Abraços!
A Vida por um segundo
Nunca dormia profundamente. Todos os dias levantava-se a mesma hora. Bernardo olhava-se ao espelho com um olhar sempre crítico sobre si mesmo. Fazia a sua higiene pessoal como se de um acto mecanizado assim se tratasse, sem falhas, cumprindo um determinado horário para cada tarefa. Dirigia-se á paragem de autocarro em passos bem definidos e cronometrados, com uma maçã na boca. Era mais um dia da rotineira vida de Bernardo que trabalhava numa fábrica de fabrico de roscas.
Bernardo era mais um operário. No mesmo ramo de actividade, já há dez anos, era considerando um empregado exemplar, contudo um homem de poucas falas. Os colegas de trabalho, criticamente, entre si, tratavam-no como o “infeliz”. Sem amor, sem amigos. A única coisa que importava para si, era cumprir as tarefas diárias de forma rigorosa. Nunca faltou ao emprego. Folgas, nunca as desejou. Como é evidente, Bernardo não tinha com quem partilhar esse tempo de descanso.
Mais um dia de trabalho. O despertador tocou a hora de sempre. Bernardo saiu de casa, com uma face de profunda estranheza. Um olhar de quem vai agarrar o mundo. Momentos difíceis estariam para vir.
Chegou á paragem de autocarro, observou a sua volta, as pessoas de sempre. Nunca tinha falado com elas, mas conheci-as tão bem. Todos os dias as encontrava lá, na mesma paragem, á espera do mesmo autocarro que ele viajava para conseguir o seu ganha-pão. Evidenciava, diariamente, a senhora de xaile preto que ia levar a menina à escola e se sentava sempre no banco da paragem, a criticar as brincadeiras que a neta tinha para embalar o tempo de espera. O velho que lia o jornal com uma atenção prodigiosa. O grupo de estudantes universitários, sonolentos, que se levantaram com dificuldade, depois de uma noite de boémia. Nada diferente. Até agora!
Lá ao fundo, Bernardo vê o autocarro que o leva ao seu destino habitual. Entra no autocarro, mostra o seu passe social. Dá o seu lugar sentado. Em pé, aprofunda, a visão ao encostar a cabeça na janela. Olha atenciosamente, lá para fora. Um ambiente estranho se adensa dentro do autocarro. Bernardo estranha o comportamento de um trintão sentado no último banco do autocarro. Figura franzina, olhos penetrantes, barba rude e cabelo crispado. Vestia roupa escura e observa, aprofundando, tudo á sua volta.
Este homem tem poucos meses de vida. Padece de uma doença pulmonar incurável. Amargurado, levanta-se e começa em tumultuosos gritos:
- “Ninguém se mexe. Tenho em minha posse uma arma, pretendo suicidar-me. Não quero a vossa compaixão. Quero que sintam o meu desespero. A angústia de ter a vida limitada a um curto espaço de tempo e nada poder fazer para modificar isso. É a evidência da minha triste existência”
Bernardo ouviu com atenção os murmúrios deste pobre homem e uma mancha de pensamento o abalou na sua consciência. Reviu toda a sua fraca vida e percebeu que todos os actos rotineiros que tinha no seu dia-a-dia, eram, sobretudo, egoístas. Só a ele o dominavam, a mais ninguém reagiam. Por isso, decidiu tomar a iniciativa de conversar com este homem desesperado. “O infeliz”, como o tratavam as escondidas os colegas de trabalho, olhou para a menina traquina, que chorava compassadamente no colo da sua avó. Esta cobria-a com o xaile preto. Bernardo, ganhou coragem, e então, dirigiu-se junto do homem, com as mãos no alto da cabeça, pedindo para conversarem calmamente. O homem de aspecto franzino, que pretendia suicidar-se aos olhos de toda aquela gente, enquanto o motorista seguia o percurso sem fazer as devidas paragens, resolveu atender ao pedido de Bernardo.
Bernardo emocionado, fez várias perguntas ao homem, que respondeu, afirmativamente, a todas:
– “Tem família? Tem amigos? Tem filhos? Sente-se amado? Então, nunca desista. Eu não tenho nada do que lhe perguntei e luto incessantemente. A vida é para se viver enquanto nos permitirmos para tal. Largue a arma. A sua história, fez-me tomar consciência da vida comodista que levo. Deixe-me ser útil, pelo menos uma vez na vida e largue essa arma. Suplico-lhe. Mude o rumo da história.” Enquanto, Bernardo mergulhado em lágrimas, se debatia, este homem olhava com copiosa veemência. Deixou cair a arma. Colou a sua boca, junto ao ouvido de Bernardo e sussurrando disse:
- “Agradeço-lhe por me abrir os olhos. É, agora a minha vez! Pode não ter família, amigos e amor mas tem uma longa vida para construir tudo isso. Vá a luta. Eu vou aproveitar os últimos dias de vida que me restam, junto do que já construí.”
O motorista parou o autocarro, o homem saiu, com um ar envergonhado até desaparecer na multidão que se encontrava na rua. Houve um forte bater de palmas, e um beijo comovido da menina traquina a Bernardo. Todos lhe devem gratidão pela ternura que desafiou ao seu carácter. Bernardo sentiu-se amado uma vez em poucas. Mesmo que esse amor não dure, a vida valeu por um segundo.
5 comentários:
Oh que bonito. Até deu assim um arrepiozinho a ler. Já tinha saudades de ler um conto, mesmo envolvendo pistolas, com um final feliz :D
Gostei da escrita, dos promenores e da moral.
Afinal há sempre uma oportunidade para mudar o rumo de vida e pensar no que realmente podemos ter, se quisermos.
Continua a partilhar os teus contos ;)
Adorei! E como tudo isso é verdade. Penso que cada um de nós se acomoda com a vida que tem, lamentando-se de alguns aspectos, sem nada fazer para os melhorar...
Parabéns :)
Gostei muito, Parabéns Ricky! =D
Por vezes deixamos que pekenas coisas nos passem ao lado sem sabermos, ao certo, o quão importantes elas podem ser!
Profundo... dá vontade de rever as prioriedades que temos no nosso calendário, conheço alguns "mecanizados" que lhes faria bem ler este texto, ficam também os meus parabéns!
P.S.-foi de certeza nota máxima!
A vida por um segundo... O título não podia ser melhor. Pois é, de uma forma estranha, é mesmo verdade que um segundo de felicidade vale uma vida de sofrimento... A nossa missão é apenas inverter os valores...
Obrigada por teres partilhado o teu conto! Aquele abraço...
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